Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter derrubado o orçamento secreto, o Congresso transferiu parte do dinheiro para outro mecanismo, com ainda menos transparência: as chamadas emendas Pix. Com a promulgação da PEC da Transição, que redistribuiu as verbas do orçamento secreto, os recursos reservados para esse dispositivo em 2023 quase dobraram: saltaram de R$ 3,8 bilhões para R$ 6,7 bilhões.
O dinheiro das emendas Pix é direcionado por parlamentares para Estados e municípios e pode ser gasto em qualquer área, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Diferentemente do orçamento secreto, as emendas Pix discriminam o parlamentar responsável pelo gasto, mas o destino dos recursos é uma caixa-preta.
O mecanismo recebeu esse apelido por ser uma transferência rápida e direta do caixa do governo federal para os cofres de governos estaduais e prefeituras. É diferente do que ocorre com outros tipos de emenda, pagos só depois da apresentação de projetos.
O pagamento é impositivo — ou seja, precisa ser feito pelo governo federal conforme a escolha do parlamentar e não pode ser adiado, a não ser que as contas públicas estejam em risco. As emendas Pix são chamadas tecnicamente de "transferências especiais" e fazem parte das emendas individuais, destinadas a deputados e senadores, reabastecidas pelo rateio do orçamento secreto na PEC da Transição.
Dos R$ 19,4 bilhões que estavam reservados para o orçamento secreto, R$ 9,55 bilhões migraram para emendas individuais. Desse valor, R$ 4,6 bilhões foram parar nas emendas Pix, que se somam aos R$ 3,8 bilhões que já estavam previstos para essa modalidade no orçamento de 2023.
A emenda foi criada por uma mudança na Constituição em 2019, sob o pretexto de eliminar a burocracia e tornar o pagamento de emendas mais rápido. A justificativa dos parlamentares é acelerar a transferência de recursos para redutos eleitorais, onde deputados e senadores pedem votos para suas eleições. O modelo, no entanto, é menos transparente e abriu margem para desvios, de acordo com especialistas e órgãos de controle.
O aumento das emendas Pix só foi possível pelo acordo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, com o centrão para aprovar a PEC da Transição e redistribuir a "herança" do orçamento secreto. O rateio foi uma condição dos líderes partidários para aprovar a proposta, que viabiliza o aumento do programa Bolsa Família e outras promessas de campanha do presidente eleito.
Além das emendas Pix, os recursos do esquema considerado inconstitucional pelo STF foram parar nas emendas individuais e em verbas dos ministérios.
Orçamento de 2023
Além do aumento de recursos chancelado pela PEC da Transição, as "emendas Pix" podem aumentar ainda mais em 2023. Isso porque o Congresso aprovou um dispositivo na Lei Orçamentária Anual (LOA) autorizando deputados e senadores a mudar suas emendas de lugar durante o ano que vem. A única exigência é que metade seja destinada à saúde. No limite, as emendas Pix podem chegar a R$ 10,6 bilhões no ano que vem.
No próximo ano, até parlamentares que não foram reeleitos poderão fazer esse remanejamento, os autores das emendas são os deputados e senadores atuais. Se um congressista quiser tirar recursos da educação e colocar na emenda Pix, por exemplo, ele está autorizado a fazer essa mudança. Por isso, os recursos desse mecanismo especial ainda podem aumentar para além do valor indicado no orçamento.
— Foi um ajuste que valoriza os municípios. É um recurso coringa, mais dinâmico e um S.O.S mais ligeiro do que qualquer outro — afirmou o deputado José Priante (MDB-PA), coordenador do Comitê de Admissibilidade de Emendas (CAE) do Congresso e cotado para assumir o Ministério das Cidades.
Ele é defensor da emenda Pix e diz que, apesar de ser repassada sem exigências, o gasto final está submetido às mesmas regras das demais transferências.
— Não é um bicho-papão.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), é um dos adeptos desse modelo. Ele indicou R$ 9,85 milhões em emendas Pix para municípios de Alagoas em 2023. Com a PEC, o valor vai saltar para R$ 16 milhões. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez o mesmo. Emplacou R$ 7,7 milhões para Minas Gerais e agora terá R$ 23 milhões.
Em 2020, no primeiro ano de existência, as emendas Pix somaram R$ 621 milhões e atenderam 137 parlamentares. Para 2023, o valor aprovado pelo Congresso saltou para R$ 6,7 bilhões após a aprovação da PEC, com indicação de 507 congressistas, ou seja, 85% do Legislativo.
Fiscalização
Até o momento, não está claro quem deve fiscalizar esses recursos. O papel de fiscalização é motivo de um impasse entre órgãos de controle. A mudança na Constituição aprovada em 2019 para criar essas emendas não criou nenhum instrumento formal de prestação de contas e fiscalização. O Ministério da Economia lançou uma plataforma para que os prefeitos relatassem o que fizeram com o dinheiro. Essa informação, no entanto, é opcional.
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) sugeriu que as transferências especiais sejam investigadas pela Corte. Os tribunais locais, no entanto, entendem que possuem a competência, porque os recursos passam a pertencer ao município ou ao Estado que recebe. No vácuo, o dinheiro não está sendo fiscalizado.
Fonte: GZH
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