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Dez anos após entrada em vigor da lei das domésticas, informalidade no RS atinge nível mais alto da série histórica; entenda por quê

Silvia Farias de Souza Rosa, 50 anos, lavou a louça do almoço e estendeu as roupas da família — um casal e duas crianças — onde trabalha, em Porto Alegre, como empregada doméstica antes de relembrar a sua trajetória, a sua luta por melhores salários, que se confunde com a da categoria.

Silvia iniciou o trabalho como doméstica na década de 1990, aos 16 anos, em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste. Ao longo de mais de 30 anos atuando na área, ela, que atualmente mora na Capital, viu e viveu muitas mudanças no trabalho. A principal delas aconteceu em 2015.

Há 10 anos, foi sancionada a Lei 150/15 que regulamentou o trabalho doméstico e equiparou aos direitos dos demais trabalhadores. Desde então, as domésticas passaram a ter, por exemplo, acesso ao seguro-desemprego, aviso prévio de 30 dias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) adicional noturno, entre outros.

Com essa lei, a doméstica ganhou outro nível, né? Está bem melhor. As leis têm que ser iguais para todo mundo. Não importa se é gari, se é doméstico, se é pedreiro, seja o que for — comenta Silvia, que há oito anos presta serviço para a mesma família.

Ela faz parte dos 25,5% (86,9 mil) de trabalhadores domésticos do Rio Grande do Sul que tinham carteira de trabalho assinada em 2023. Esse é o menor percentual registrado desde o início da síntese dos indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012.

— Infelizmente, os dados indicam que houve uma piora em termos de formalização e de remuneração. Mas isso não tem relação com a legislação. Isso tem relação com o ambiente econômico e político que se deu após a promulgação da legislação e como esses processos foram conduzidos — defende a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cristina Vieceli.

Motivos da informalidade

Além dos fatores já mencionados, a economista também traz questões como a pandemia e o aumento de famílias unipessoais ou de até três membros, somado à falta de regulamentação das diaristas, para corroborar os números que apontam na piora da formalização.

— Uma das principais críticas à legislação é que as diaristas foram excluídas da lei. Ficou explícito que quem trabalha até duas vezes por semana na casa do empregador, que a gente chama de diarista, ficaria de fora. E como essas trabalhadoras não são cobertas pela legislação, elas vão aparecer como indicador de informalidade — detalha Cristina que é um dos dois autores do livro Trabalho Doméstico Remunerado no Brasil: continuidades, avanços e retrocessos num contexto de crises.

Para a advogada trabalhista, professora e pesquisadora, Carolina Mayer Spina, outro fator que impulsionou a informalidade é o que ela chama de "falta de cultura" no meio, ou seja, que a formalização do serviço não é um hábito entre os envolvidos, e o receio do aumento da carga tributária, seja por parte do empregado ou do empregador. 

— As pessoas esquecem que às vezes o barato sai caro. Eu acho que é muito mais por uma cultura imediatista das pessoas acharem que isso vai encarecer muito o seu custo mensal sem provisionar que, caso não faça, não cumpra a obrigação no presente, isso pode gerar um custo elevado no futuro e acaba induzindo a ideia de que pode se manter a questão informal — relata Carolina.

Ela reforça a importância que as contribuições para o INSS e o FGTS trazem para o trabalhador, como o benefício previdenciário, o recurso financeiro no caso de lesões e em caso de contrato de trabalho encerrado sem justa causa, além do acesso ao seguro-desemprego.

A advogada reforça que a alíquota dos tributos dos trabalhadores domésticos é menor do que a usual. Enquanto para os trabalhadores CLT é 8%, para os domésticos é 2%. De acordo com a lei, isso ocorre porque o empregador não é uma entidade com fins lucrativos.

Entre os três grupos etários apresentados nos dados do IBGE, o de trabalhadores domésticos com 60 anos ou mais é o que possui a maior porcentagem na informalidade. Em 2023, 82,5% (41,8 mil) dos empregados desse recorte no RS não possuíam carteira de trabalho assinada.

A economista aponta que essas trabalhadoras têm mais dificuldade de compreender os seus novos direitos trabalhistas do que as mais jovens, que têm mais acesso à escolaridade.

Reflexo nos tribunais

O aumento de direitos para os empregados domésticos não refletiu em um crescimento expressivo de processos trabalhistas registrados no Tribunal Regional do Trabalho do RS (TRT-RS). Entre 2015 e 2024 foram, em média, 137 processos por ano, de acordo com os registros do TRT.

Dentre os fatores que concorrem para essa precariedade em direitos, certamente está a dificuldade de associação sindical, inclusive pelo trabalho prestado separadamente e, talvez, a naturalização histórica da atribuição das tarefas de cuidado às mulheres. Se podem cuidar sem remuneração, também podem cuidar por salário baixo e sem registro em carteira — comenta a juíza e coordenadora do Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-RS, Lúcia Rodrigues de Matos.


POR GZH

FOTO: Camila Hermes / Agencia RBS



 
 
 

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