Neonazismo: grupos crescem online e acendem alerta para violência no mundo real
- Jornalismo Portal NMT

- 16 de fev. de 2022
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Dois episódios relacionados ao nazismo ganharam as manchetes da imprensa brasileira neste mês. No primeiro deles, na segunda-feira (7), o podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark, defendeu que a liberdade de expressão deveria incluir a existência de um partido nazista no Brasil. A fala foi amplamente rechaçada na terça-feira (8) e Monark foi desligado do podcast Flow. Naquele dia, após discussão sobre o caso, o comentarista Adrilles Jorge, da Jovem Pan, fez um gesto apontado como uma saudação nazista em um programa ao vivo e também perdeu o emprego.
Ambos se defenderam dizendo que foram mal interpretados. “A ideia defendida é que eu prefiro que o inimigo se revele do que fique nas sombras”, disse Monark, em postagem no Twitter nesta quinta-feira (10). Contudo, os grupos neonazistas estão em franco crescimento e cada vez evidentes no Brasil.
Há quase 20 anos dedicada a mapear os movimentos neonazistas no Brasil, Adriana Dias, doutora em Antropologia pela Unicamp, aponta que, em maio de 2021, existiam pelo menos 530 grupos neonazistas no Brasil, que somariam cerca de 10 mil participantes. O número representa um aumento de 270% em relação ao que conseguia identificar em janeiro de 2019. Com 80 grupos (células), o Rio Grande do Sul seria o terceiro estado do Brasil com maior presença de extremistas identificados, atrás apenas de São Paulo (137) e Santa Catarina (153). Os dados da pesquisa foram revelados originalmente no Fantástico, em 16 de janeiro.
“Na última análise, a gente achou 80 células no Rio Grande do Sul. É um número grande. E essas células são de várias cidades do RS. Por exemplo, a gente identificou em Agudo, Alvorada, Bento Gonçalves. Agora, a gente tem também em cidades médias como Canoas e Caxias do Sul, em cidades pequeninhas, como Nova Bréscia, e também em Porto Alegre”, diz.
Dias diz que apesar de não ser o estado com maior número de células, o RS se caracteriza por ter as mais antigas, com maior articulação internacional, especialmente com grupos da Argentina, e pelo envolvimento na compra internacional de armas.
A pesquisadora diz que os grupos são fragmentados e seguem vários tipos de vertentes distintas, o que inclui movimentos ultranacionalistas brancos, de negação do Holocausto, de supremacia branca misógina, de radicais católicos antissemitas, de radicais luteranos antissemitas, fascistas de origem italiana, separatistas neonazistas, ligados ao neonazismo ucraniano, ao nacionalismo branco russo, ao neopaganismo racista, etc.
Segundo ela, a atuação desses grupos envolve ações como ciberativismo, pichações, colagem de cartazes, distribuição de material para ser baixado da internet e mesmo conversas sobre temáticas neonazistas. “Por exemplo, um taxista neonazi pergunta ao passageiro o que ele acha, como branco, do que está acontecendo. Eles vão atuando de acordo com a sua profissão”, diz, acrescentando que esse tipo de atuação é muito difícil de ser coibida. “Se você for em qualquer brechó de livros no RS, você vai encontrar livros que são proibidos de serem vendidos no Brasil”.
Dificuldade de criminalização
Até o final de 2020, o monitoramento de grupos neonazistas era comandado na Capital pelo delegado Paulo César Jardim, da 1º Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre. Com a criação da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), em dezembro de 2020, a delegada Andrea Mattos passou a comandar esse monitoramento.
Mattos destaca que os grupos monitorados têm como característica serem extremistas em várias questões: a promoção do antissemitismo, da misoginia, do racismo e da LGBTfobia. “Eles costumam misturar todos esses assuntos”, diz.
Sem entrar em detalhes, a delegada diz que, desde 2021, já foram identificados casos que podem ser considerados como condutas criminais, com os inquéritos sendo remetidos ao Poder Judiciário. Contudo, ela observa que a Polícia enfrenta dificuldades para enquadrar essas organizações. “A nossa lei, infelizmente, é muito falha, tem muitas lacunas, e ela permite uma subjetividade, sabe. Esse é o lado ruim da nossa legislação.”
O combate aos grupos neonazistas se dá por meio do artigo 20 da Lei 7.716, de combate ao racismo, que prevê pena de dois a cinco anos de prisão para quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
A delegada avalia que a utilização desses verbos dificulta o enquadramento da atuação online dos grupos neonazistas, especialmente porque eles sabem como driblar a legislação. “Para enquadrar nessa situação aqui é difícil. Para nós, é um trabalho hercúleo para comprovar que houve, de fato, o antissemitismo”.
Ela cita o exemplo recente de um repórter da Rádio Bandeirantes, de Porto Alegre, que foi atacado com várias menções ao nazismo. Contudo, a Polícia Civil não conseguiu enquadrar o suspeito no crime de apologia ao nazismo, apenas como injúria qualificada. “Ele não fabricou, não comercializou, não veiculou, então isso é um dificultador. A legislação tem que melhorar”, diz.
Risco de violência
A pesquisadora Adriana Dias lembra que os grupos neonazistas já foram responsáveis por atos de violência no Brasil, desde ataques a um cemitério de Curitiba, depredado em 1961, até participação em fóruns que incentivaram os ataques cometidos em escolas em Realengo (RJ), em 2011, e em Suzano (SP), em 2019. “Sempre houve momentos de violência, mas agora os momentos de violência estão ficando mais frequentes e mais fortes”, avalia. “Eles estão se armando e eu espero que a gente consiga, de alguma forma, impedir que alguma coisa aconteça antes que elas se tornem perigosos demais”.
Dias pondera que esses grupos se organizam na internet para fazer ações no mundo não digital e que se sabe que há campos para o treinamento de armas no Brasil, embora ainda não tenha conseguido identificar um local do tipo no Rio Grande do Sul.
A delegada Andrea Mattos compartilha do temor de que casos de violência no mundo real possam aumentar, mas ressalta que eles sabem dificultar o trabalho de monitoramento policial que poderia levar à prevenção. “Eu acredito que sim, porque, principalmente na internet, eles usam muito esses grupos de jogos. Eles ficam um tempo em determinado grupo e eles mesmo derrubam e vão criando outro. O que a gente vê é que eles são organizados, entendem demais sobre a questão de internet, meandros, IP, proxy, hospedagem, então eles sabem como dificultar o trabalho da polícia. Não impedir, mas têm um conhecimento muito bom das questões relacionadas ao mundo virtual”.
Para Radde, o risco de aumento da violência é real, especialmente porque esses grupos se caracterizariam pela discussão de atos de violência e pelo fato de que postagens indicam o acesso a armas.
“Chama a atenção que em todos esses grupos, que não são as mesmas pessoas, se propagam atos violentos como se fossem desafios. Por exemplo, ‘eu duvido que tu corte o braço’. ‘Eu duvido que você mate um cachorro’. E geralmente são formados por jovens, que sofreram bullying, enfim, o perfil que se chama de incel. E tu vê nos grupos a automutilação, indivíduos matando cachorros, tu vê que eles cumprem aquelas missões. Então, para mim é uma questão de tempo”, diz. “No nosso entendimento, como esses grupos fazem esse tipo de desafio, dialogam sobre violência, incentivam esses de violência, incentivam o discurso de ódio, e o Bolsonaro também incentiva o discurso de ódio e flexibilizou o acesso a armas, eu tenho certeza que a gente vai ter um ato extremista, mesmo que seja praticado por um indivíduo. Para mim, não precisa ter uma célula com dez pessoas atuando simultaneamente. Basta, e é o que eu acho mais provável, ter um ou dois indivíduos fazendo uma ação extremista, seja numa escola, seja numa creche, seja num cinema, numa faculdade, numa manifestação mais progressista, enfim, para mandar uma mensagem, para se sentirem vitoriosos dentro dessa rede que eles atuam. Isso que me preocupa demais”.






















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