Em meio à falta de tração da economia do país nos últimos anos, o emprego com carteira assinada perde espaço, enquanto os números de informais e de trabalhadores por conta própria avançam no Rio Grande do Sul.
A população empregada com carteira atingiu 41,65% do total de trabalhadores no Estado no primeiro trimestre deste ano. É o menor percentual em 11 anos em um primeiro trimestre. Em um recorte dos últimos oito anos, o RS perdeu 221 mil trabalhadores com carteira ante o volume de 2014.
Na outra ponta, o contingente de informais no setor privado atingiu o maior percentual dentro do montante para um primeiro trimestre em 10 anos: 13,25%. Já o grupo de trabalhadores por conta própria chegou a 25,74% dentro do total ocupado e apresentou o maior salto na participação nos últimos anos, pouco mais de cinco pontos percentuais acima do menor nível, em 2014.
usca por renda maior e flexibilidade na jornada de trabalho estão entre os principais fatores que ajudam a explicar esses movimentos, segundo especialistas. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, do IBGE. No âmbito dos trabalhadores formais e informais no setor privado, o levantamento de ZH, com base nos dados do IBGE, também leva em conta os trabalhadores domésticos. Nos de conta própria, os dados juntam trabalhadores com ou sem CNPJ.
Dinâmica
O coordenador da Pnad Contínua no Estado, Walter Rodrigues, afirma que esse movimento costuma ocorrer em momentos de crise. Diante de cenário não tão favorável dentro da dinâmica clássica do mercado de trabalho, de vagas com carteira assinada, as pessoas acabam buscando a informalidade ou trabalhando por conta para garantir renda, segundo o especialista.
— Quando você não tem a alternativa de um emprego formal, tem essa questão de as pessoas irem para a informalidade ou para o regime de conta própria com CNPJ. Partindo para uma alternativa fora daquilo que é o mais clássico no mercado de trabalho — explica Rodrigues.
Tecnologia
Pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre e especialista em economia do trabalho, Fernando de Holanda Barbosa Filho diz que o movimento também ocorre diante de mudança tecnológica. A busca por trabalho por conta própria foi impulsionada pela pandemia, aponta:
— Você vê em entrevistas que as pessoas preferem o trabalho híbrido e várias alternativas. Ao mesmo tempo, observa-se a tendência histórica de redução de formalização, principalmente em momentos de baixo crescimento econômico.
Coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Maria Portela Coimbra Soares afirma que a queda na renda média real dos trabalhadores formais também tem participação nesse processo. Com alguns salários que não sustentam os gastos, parte dos trabalhadores acaba buscando alternativas para melhorar o orçamento da família, pontua:
— Algumas pessoas vão para o regime de conta própria ou buscam dois vínculos de emprego. Em alguns casos, a pessoa tem um vínculo formal em um turno e, no outro, faz alguma coisa por fora. De alguma forma, as famílias tentam aumentar a renda ou ir diretamente para a informalidade.
Lúcia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos e especialista em mercado de trabalho, avalia que os avanços daqueles que estão por conta própria e dos informais provocam diminuição da renda média. Esse cenário, diz, ocorre diante de flexibilização do emprego, que já ocorria antes da pandemia, mas foi impulsionada pela crise sanitária.
— É uma mudança do mercado de trabalho que vem se consolidando com a revolução tecnológica e um conjunto de leis que está procurando dar guarida legal para essa mudança — afirma.
TRABALHADORES NO RS
Últimos anos (1º trimestre - em mil pessoas)
“Tenho renda bem melhor”
Vagner Ribeiro, 27 anos, é um dos trabalhadores que estão dentro do grupo que decidiu trocar o emprego com carteira assinada pelo próprio negócio. No início do ano passado, comprou o maquinário e o ponto do antigo patrão em uma vidraçaria. Após idas e vindas em 2021, formalizou a empresa como microempreendedor individual (MEI) em maio deste ano após obter retorno no empreendimento.
— Tenho renda bem melhor do que tinha quando trabalhava como funcionário. Também tenho mais liberdade. Faço o que quero, na hora que quero e consegui triplicar a renda que ganhava com carteira assinada — relata.
O presidente da Federação das Associações de Micro Empresas do RS (Fepeme), Wagner Silveira, afirma que o avanço dos trabalhadores por conta própria dentro do total da população ocupada é um movimento que ocorre há anos. Inflação em alta e empresas com problemas financeiros diante da pandemia são alguns dos fatores que engrossam esse movimento, segundo o dirigente:
— São tendências tempestivas que ocorrem sazonalmente em situações de crise no país.
O pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre, avalia que as mudanças na dinâmica de trabalho têm participação importante nesse processo. O especialista diz que esse contingente de pessoas que trabalham por conta própria carrega dois perfis.
Trabalhadores que enxergam oportunidade de negócio e investem e outros que abrem um negócio por necessidade de manter pelo menos uma fonte de renda.
Barbosa Filho destaca que o cenário pós-pandemia poderá contar com movimento de pessoas abandonando o emprego com carteira assinada em busca mais flexibilidade na jornada:
— Tem um pouco da mudança de tecnologia, das pessoas preferindo a liberdade de trabalhar sem patrão, com carga horária mais livre. Tenho impressão que isso pode aumentar no pós-pandemia.
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